TODAS AS CRIANÇAS SABEM MUITAS COISAS, SÓ QUE UMAS SABEM COISAS
DIFERENTES DAS OUTRAS
Vindas
de universos culturais diferentes, as crianças sabem coisas diferentes. As mais
pobres, por exemplo, aos seis ou sete anos de idade, desenvolvem capacidades
que lhes permitem dar banho nos irmãos, cozinhar, vender balas em cruzamentos
das avenidas sem serem atropeladas, coisas que as de classe média e alta,
certamente, não dão conta de fazer nem alguns anos depois. Essas, como são
expostas a desafios diferentes – escrever uma carta para a tia, ajudar a mãe a
achar produtos no supermercado, recontar histórias dos livros -, desenvolvem
capacidades para esses outros tipos de atividade. Tudo depende do valor que
determinadas aprendizagens assumem nas comunidades de origem de cada uma delas.
É
preciso ter isso claro. As crianças vindas de um mundo cultural semelhante ao
que é valorizado na escola já chegam com enormes vantagens em relação às
demais. Para elas a escola será muito mais fácil, porque está em consonância
com a cultura da família e do seu ambiente. Não se pode dizer o mesmo das
crianças que vêm de comunidades onde as pessoas têm menor grau de escolaridade
e estão, portanto, mais distantes dos usos cotidianos dos conteúdos que a
escola propõe. Elas não dispõem do tipo de conhecimento com o qual a escola
habitualmente conta e dependem exclusivamente da escola para aprender os
conteúdos escolares, pois não têm, em casa, a quem recorrer.
Isso
traz a necessidade de que a educação escolar dessas crianças garanta
oportunidades de aprendizagem similares àquelas que as de classe média “mamam”
em casa, com o leite materno.
Essa
equalização das oportunidades de aprendizagem das crianças que chegam é, como
já vimos, tarefa da escola, e, diante dela, a escola precisa refletir sobre
suas práticas. Porque, dependendo de como as desenvolve, pode estigmatizar as
crianças, prejudicando sua auto-estima e dificultando com isso, seu
envolvimento com as situações de aprendizagem.É algo que acontece em muitas
escolas por meio de atitudes sutis, muitas vezes inconscientes e que, mesmo de
maneira involuntária, prejudicam o sucesso escolar dos alunos. Quando se
constrói um modelo de déficit cultural, por exemplo, como aconteceu no Brasil
alguns anos atrás – afirmando-se que os meninos pobres que entram na escola têm
uma deficiência psicológica, cognitiva, intelectual, lingüística, ou seja lá
que nome se queira dar-, é inevitável desembocar numa pedagogia compensatória,
do tipo “vamos dar a eles o que eles não têm, coitados”. O que poderia ser
extremamente revolucionário cai por terra quando consideramos que as
experiências trazidas pelas crianças pobres para a escola não são importantes,
não servem para nada, devem ser deixadas de lado – a experiência valorizada
pela escola é a única que importa. É preciso, pois, educar o olhar para
enxergar o que sabem as crianças que aparentemente não sabem nada.
Não
é uma pedagogia compensatória que defendo ao dizer que a escola tem um papel
equalizador das oportunidades de aprendizagem. Na verdade, o que precisa ser
socializado na escola diz respeito, fundamentalmente, a conteúdos pertencentes
ao mundo da cultura: da literatura, da ciência, da arte, da informação
tecnológica, etc. Todas as crianças têm direito a isso, porque é condição de
inserção social. Ter essa clareza faz toda a diferença quando estamos
comprometidos com uma educação escolar equalizadora – que nunca será total, bem
o sabemos. Mas uma coisa é a escola não conseguir garantir que todas as
crianças atinjam os objetivos desejáveis, outra é servir de instrumento de
exclusão social. O professor Darcy Ribeiro proclamava em plena ditadura - e eu
sempre acreditei que ele tinha razão-, que não conhecia escola mais eficiente
que a brasileira. Porque numa sociedade onde uma minoria tem de controlar tanta
gente, dizia ele, o papel que a escola exerce de botar cada pobre “no seu
lugar” é extraordinariamente eficiente. Certamente, não é esse o tipo de escola
que queremos para nossas crianças.
Texto retirado da Internet: www.professorefetivo.com.br
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