terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Diálogo entre o Ensino e a Aprendizagem - Telma Weisz


TODAS AS CRIANÇAS SABEM MUITAS COISAS, SÓ QUE UMAS SABEM COISAS DIFERENTES DAS OUTRAS

            Vindas de universos culturais diferentes, as crianças sabem coisas diferentes. As mais pobres, por exemplo, aos seis ou sete anos de idade, desenvolvem capacidades que lhes permitem dar banho nos irmãos, cozinhar, vender balas em cruzamentos das avenidas sem serem atropeladas, coisas que as de classe média e alta, certamente, não dão conta de fazer nem alguns anos depois. Essas, como são expostas a desafios diferentes – escrever uma carta para a tia, ajudar a mãe a achar produtos no supermercado, recontar histórias dos livros -, desenvolvem capacidades para esses outros tipos de atividade. Tudo depende do valor que determinadas aprendizagens assumem nas comunidades de origem de cada uma delas.
            É preciso ter isso claro. As crianças vindas de um mundo cultural semelhante ao que é valorizado na escola já chegam com enormes vantagens em relação às demais. Para elas a escola será muito mais fácil, porque está em consonância com a cultura da família e do seu ambiente. Não se pode dizer o mesmo das crianças que vêm de comunidades onde as pessoas têm menor grau de escolaridade e estão, portanto, mais distantes dos usos cotidianos dos conteúdos que a escola propõe. Elas não dispõem do tipo de conhecimento com o qual a escola habitualmente conta e dependem exclusivamente da escola para aprender os conteúdos escolares, pois não têm, em casa, a quem recorrer.
            Isso traz a necessidade de que a educação escolar dessas crianças garanta oportunidades de aprendizagem similares àquelas que as de classe média “mamam” em casa, com o leite materno.
            Essa equalização das oportunidades de aprendizagem das crianças que chegam é, como já vimos, tarefa da escola, e, diante dela, a escola precisa refletir sobre suas práticas. Porque, dependendo de como as desenvolve, pode estigmatizar as crianças, prejudicando sua auto-estima e dificultando com isso, seu envolvimento com as situações de aprendizagem.É algo que acontece em muitas escolas por meio de atitudes sutis, muitas vezes inconscientes e que, mesmo de maneira involuntária, prejudicam o sucesso escolar dos alunos. Quando se constrói um modelo de déficit cultural, por exemplo, como aconteceu no Brasil alguns anos atrás – afirmando-se que os meninos pobres que entram na escola têm uma deficiência psicológica, cognitiva, intelectual, lingüística, ou seja lá que nome se queira dar-, é inevitável desembocar numa pedagogia compensatória, do tipo “vamos dar a eles o que eles não têm, coitados”. O que poderia ser extremamente revolucionário cai por terra quando consideramos que as experiências trazidas pelas crianças pobres para a escola não são importantes, não servem para nada, devem ser deixadas de lado – a experiência valorizada pela escola é a única que importa. É preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianças que aparentemente não sabem nada.
            Não é uma pedagogia compensatória que defendo ao dizer que a escola tem um papel equalizador das oportunidades de aprendizagem. Na verdade, o que precisa ser socializado na escola diz respeito, fundamentalmente, a conteúdos pertencentes ao mundo da cultura: da literatura, da ciência, da arte, da informação tecnológica, etc. Todas as crianças têm direito a isso, porque é condição de inserção social. Ter essa clareza faz toda a diferença quando estamos comprometidos com uma educação escolar equalizadora – que nunca será total, bem o sabemos. Mas uma coisa é a escola não conseguir garantir que todas as crianças atinjam os objetivos desejáveis, outra é servir de instrumento de exclusão social. O professor Darcy Ribeiro proclamava em plena ditadura - e eu sempre acreditei que ele tinha razão-, que não conhecia escola mais eficiente que a brasileira. Porque numa sociedade onde uma minoria tem de controlar tanta gente, dizia ele, o papel que a escola exerce de botar cada pobre “no seu lugar” é extraordinariamente eficiente. Certamente, não é esse o tipo de escola que queremos para nossas crianças.  

    Texto retirado da Internet: www.professorefetivo.com.br

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