quarta-feira, 2 de julho de 2014

O tempo e a jabuticaba

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver 
daqui para frente do que já vivi até agora.

             Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas.



As primeiras jabuticabas, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço...

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte...

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo."


Rubem Alves

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