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segunda-feira, 23 de março de 2015

Movimento Negro e Educação: Racismo no Brasil

Racismo no Brasil. O negro sofre racismo duas vezes, ele sofre como alvo que ele é, o negro não é vítima do racismo, ele é alvo do racismo, são duas coisas diferentes, dizer que o negro é vítima do racismo, é ver o negro como uma pessoa passiva dentro de uma situação. Não. Ele é alvo, é ele que está sendo atacado. O negro tem que lutar duas vezes contra o racismo. Contra o racismo que ele já ingeriu, engoliu e que ele está usando para destruir outros negros e a si próprio e, ao mesmo tempo, lutar contra o racismo que vem do exterior, ou seja, nos países latinos americanos, você tem dois racismos convergentes.

O racismo do branco, que é o racismo generalizado e dominante e o racismo do negro, que é o endo racismo, racismo interiorizado. Quando os brancos falam de racismo às avessas, não há racismo às avessas como os brancos racistas falam. O único e verdadeiro às avessas é o endo racismo, o racismo que o negro torna contra si próprio. Porque não há racismo dos negros contra brancos ou contra os indígenas. O racismo não surge duas vezes na mesma História, surge uma vez só. Não pode existir racismo dos negros contra brancos, porque historicamente, não foi assim.

Movimento Social Negro

Neste momento, o Brasil possui a maior abertura da América Latina para discutir os problemas da sociedade, devido a grande luta do Movimento Negro neste país. Se o movimento Negro não tivesse lutado neste país como lutou, tanto tempo que lutou e, com tanto afinco, a sociedade branca teria admitido que este país não era um país com democracia racial. É que não pode agredi-lo mais, com tantas evidencias e, que o mundo inteiro está gritando pelo que está acontecendo na América Latina, principalmente o Brasil, que é de maioria africana.

O Movimento Negro é um movimento que está higienizando as relações entre negros e brancos na América Latina, entre negros e indígenas, entre brancos e indígenas, ou seja, essa higienização para a nova base epistemológica dentro de nossa sociedade, para compreender como construir uma sociedade juntos, como pode se organizar a coexistência das diferenças, você não pode simplesmente, deixar as diferenças evoluírem de qualquer jeito, porque ela tem um acúmulo histórico que impede que ela se reproduza de maneira sã, ou seja, o racismo já está ali e você tem que lidar com ele, você tem que higienizar a base relacional da sociedade.

O Movimento Negro chegou no momento importante para resgatar a sociedade desse salto para trás, para impedir que a sociedade se auto-destruísse. As sociedades racistas não são viáveis, impossível que a sociedade racista se auto-destrua.Vimos o que aconteceu na Alemanha, os racistas começaram a destruir dentro da Alemanha, começaram primeiro a exterminar os alemães, que eram brancos, que eles consideravam brancos inferiores, que eram os judeus. E logo quiseram destruir os latinos também. Diziam que os latinos tinham sangue negro, eram mulatos europeus. Não pense jamais que o racismo é algo estático, ele está constantemente em movimento, ele está destruindo tudo que a sociedade tem de moralidade. O racismo é uma visão imoral, amoral e criminal, que insensibiliza a pessoa que é racista e a sensibiliza para o crime. Então ela se converte cúmplice do crime.

Educação

A educação na América Latina é péssima. É uma educação de baixo nível, porque as universidades, o sistema de ensino na América Latina se nutre pelo que há de pior que veio da Europa, ou seja, não é um ensino moderno, não é um ensino crítico, é um sistema de justificador das injustiças. A Academia termina justificando as injustiças sociais, raciais e históricas, por isso que na América Latina você tem uma resistência tão grande às ações afirmativas dentro da Academia, é a Academia que nutre a sociedade com o racismo, é ela que elabora a visão raciológica, os Gilbertos Freires, os Ninas Rodrigues, aqui no Brasil, você encontra todos eles no universo acadêmico em todos os países, então realmente é um sistema geral, não é só o caso do Brasil.

Cotas e Capacitação de professores

A classe média branca latino-americana reina sobre a academia e eles não querem cotas porque de repente, derrubar o sistema e mudá-lo?

A única possibilidade de mudar a visão da sociedade, a visão civilizatória da América Latina é quando entrarem nas universidades, os negros e os índios com as experiências histórica deles, porque eles entram com a verdade deles totalmente opostas com as verdades dominantes, é a única maneira de quebrar esse círculo vicioso que há, na qual as universidades se retroalimentam com todos os seus mitos e mentiras.

É um punhado de países que estão tiranizando o mundo e que não querem mudar, então, o Brasil como nação vai se inserir nesse mundo, se o Brasil não mudar essa situação dentro do próprio Brasil, nunca vai poder jogar um papel importante no século XXI tem que haver uma mudança significativa dentro do Brasil, porque o Brasil, é um país essencialmente de origem africana.

Eu acho que o que está acontecendo no Brasil é que, uma parte da intelectualidade brasileira branca, que vê a necessidade de mudar, sem essa mudança significativa da população negra, o Brasil irá afundar, jamais será uma potência mundial, se não mudar a situação de mais da metade de sua população e essa população está crescendo. As populações árabes, turcas, africanas, latino-americanas, estão aumentando cada vez mais na Europa, já a população negra, latino-americana, mestiça e indígena, são praticamente 25, 30 milhões e eles estão tendo filhos e sabemos que a população branca americana vai ser a minoria nos EUA em 50, 60 anos.

No Brasil, os Movimentos Negros é quem tinha a visão de tudo o que estava acontecendo, logo essa luta vai se concretizando, até que outros segmentos começam a denunciar. Por exemplo, tem o IPEA, o IBGE, algumas instituições que estão fazendo pesquisas e mostrando o que está acontecendo no país e que se isto continuar, o Brasil terá um problema muito sério dentro de 10, 15 anos. Então, estamos tendo alguns intelectuais que estão começando a enxergar o problema massivo e tem que parar essa situação em que o grupo subalternizado está afundando cada vez mais e que o grupo dominante é cada vez menor.

Diante dessa situação, a implementação do sistema de cotas, ao mesmo tempo em que você abre as escolas para o estudo da história e cultura afro brasileira, são medidas importantes, mas medidas que se não forem acompanhadas por outras medidas vão cair sob o peso de sua própria inércia. Porque você precisa reciclar os professores Estão produzindo livros reprodutores das grandes mentiras. Então, são necessárias duas coisas essências de base. Primeiro, definir bibliografias de obras a serem publicadas com urgência e com prioridade de obras que são científicas e objetivas. A África está caindo sobre o peso dos livros antiafricanos. Então é necessário que uma comissão de peritos para descriminar uma série de livros que são objetivos e isso pode ser feito com a ajuda da UNESCO. A UNESCO viu a necessidade de fazer, criar um comitê científico para a redação da História geral da África, criaram esse comitê, então esse comitê existe.

Formas de combate ao racismo

Não pode ser somente pela educação, isso é um mito total. Quando falamos da opressão racial, estamos falando da opressão extremamente complexa. Ela incorpora a opressão social, ela incorpora a opressão cultural, psíquico cultural, ela incorpora a opressão antológica, que é a opressão racial, propriamente falando. Quando você nega um segmento da humanidade que ele é humano, que ele tenha direito dos humanos e, que ele tenha, na realidade, uma sub-humanidade praticamente animal, uma infra-humanidade. Você está causando uma ferida antológica grave, ou seja, um problema muito complexo. O racismo, portanto, não é problema ideológico, se ele fosse um sistema ideológico, bastaria a educação para lidar com ele, bastaria encontrar uma educação adequada para desarticular essa ideologia. O racismo não é uma ideologia, o racismo é uma consciência historicamente determinada que surgiu há muito tempo. O racismo é um fenômeno global planetário, ou seja, não estamos lidando com ideologia, estamos lidando com uma consciência historicamente determinada, consciência que surgiu de conflitos reais na História, nas décadas remotas da História e, que se tem perdido o conhecimento desses conflitos objetivos.

Mídia e racismo

Eu diria que a televisão, as rádios e os jornais forma e deforma tanto a mentalidade e a consciência como a Academia, como o sistema de ensino. Os cartazes falam as coisas mais agressivas na América Latina; cartazes onde somente se encontram homens e mulheres brancas sorrindo, eles estão dizendo: “Vocês são um horror”. É uma informação subliminar. Não há uma coisa em que eles estejam dizendo que os negros são um horror, o fato dos negros não estarem ali em posições dignas, são cartazes que estão até pregando o genocídio. Estão dizendo: “Não há negros, não queremos negros e nem queremos vê-los, queremos que sejam ausentes”.

São cartazes totalmente brancos, onde a população negra e indígena é, às vezes, majoritária. Isso fala por si, pelo que o grupo dominante pensa, o grupo dominante quer invisibilizar totalmente, ou seja, uma ação subliminar que têm suas raízes no eugenismo. Os professores têm que compreender, a ação anti-racista deve ser levada aos professores em vários níveis. Não adianta simplesmente falar: Você vai ensinar esse tipo de História. Eles têm que compreender o que é racismo. Racismo é uma consciência historicamente determinada que ela permeia toda a sociedade. Ela é fundadora de ideologias, não é a ideologia que funda o racismo, é o racismo que funda as ideologias. É isso que temos que começar a compreender

Sobre o conceito de raça

A biologia demonstra que não há raças, então não há racismo. Isso não é verdade. A raça existe, não como conceito biológico, nunca foi. Foram os racistas que disseram que a raça é biológica. A raça é uma construção histórica, política e psicológica, ela existe. Essas pessoas que andam dizendo que não há raças, que não há racismo, é uma forma nova que o racismo está tomando, negar a existência da raça biológica para o racista continuar a seguir com a prática cotidiana. O que conta é o resultado cotidiano, estar usufruindo uma situação de superioridade. Não é necessário contar os genes.

Alianças

Como as diferenças se organizam, entre homem e mulher, entre branco e negro, entre indígena e branco, entre indígena e negro são dinâmicas que devem ser organizadas e, essa é a contribuição do Movimento Negro: abre esse espaço. Ao abrir esse espaço, a sociedade tem a possibilidade de respirar algo novo. Esses movimentos devem de multiplicar, onde negros e brancos, brancos de boa fé, brancos que queiram compreender, que queiram romper com essa visão raciológica. Tem que se multiplicar essa experiência de aprenderem juntos, porque a luta contra o racismo implica, todo mundo.

É claro que existem os racistas, mas também existem pessoas que estão questionando esse fenômeno. Porque o Movimento Negro neste país e na América Latina está se desenvolvendo e está levando uma nova forma de consciência para toda a sociedade. O terceiro nível dos problemas é o problema epistemológico. Não adianta a questão mecânica sem uma epistemologia que informe você do que aconteceu na história, por que aconteceu o tráfico de escravos, por que houve a escravidão racial na América Latina, o que é a escravidão racial, que tipo de sistema havia na África, como era a escravidão propriamente africana, como ela se deu, que tipo de escravidão era, qual foi as relações estabelecidas entre as elites africanas dominantes antes da colonização do mundo árabe e logo o mundo europeu, que tipo de relações eles tinham, que permitiu os europeus fazer o que fizeram na história, colonizar, escravizar todo um continente, como aconteceu?

Então, precisamos de um paradigma epistemológico que nos permita compreender como isso.

Eu acho que uma das coisas fundamentais para chegar a essa visão, são as obras do professor senegalês. Eu acho que hoje em dia, as obras dele são indispensáveis para o Brasil, para toda a América Latina. Pela primeira vez, houve uma ruptura sistemológica, um confronto sério entre um grande pensador científico e todo esse mundo regido de mentiras e de mitos. O mundo Latino Americano tem que mudar epistemologicamente, sem essa mudança, pode-se até colocar muitas leis, você sabe, a lei se dá, mas não se cumpre. Os que estão contra, não vão dizer que estão contra, simplesmente não cumprem. Vê essa lei contra o racismo, o racismo nesse país é crime, é importante essa legislação que faz do racismo um crime. Mas quantas pessoas foram incriminadas, foram levadas à prisão por racismo aqui neste país?

Então, estamos precisando de uma ampla mobilização da sociedade, a sociedade tem que compreender que o racismo é um crime contra a humanidade, que a escravidão foi um crime contra a humanidade e que esse crime que foi cometido em todas as Américas, têm repercussões atuais, porque esse mesmo crime cometido nas Américas, ele continua hoje com essa subalternação massiva das populações indígenas, áfricas e afro-americanas desse continente, ou seja, o crime continua. O racista não se importa, da mesma maneira que o proprietário de escravos não se importou que o escravo fosse escravo. Porque o racismo é um sistema de poder, de poder econômico, de poder político. Por isso, quando você traz à tona as ações afirmativas para liquidar esses privilégios e benefícios que uma minoria está usufruindo, você vai ter resistência. Será uma luta muito longa, muito complexa, uma luta de muitas etapas diferentes.

Texto retirado na íntegra de: http://www.adital.com.br/

(*) Entrevista a Eparrei, onde o Dr. Charles Moore, de Cuba, presente no Seminário de Educação em Florianópolis organizado pelo NEN -Núcleo de Estudos do Negro, analisou as conquistas e os desafios do Movimento Negro.

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